Convencer os colegas foi tarefa menos árdua que vencer minha própria inércia. Saímos do Estoril, rumo à Baixa. A cidade, sob o sol generoso da tarde, desdobrava-se em tons de desbotado e resiliência. Flexões de memória – frágeis, como teias de aranha – guiaram-nos por vielas onde o passado colonial espreitava das fachadas descascadas. Cansados, os pés a reclamar em surdina, o apelo tornou-se unânime: o mar. A frescura salgada, o horizonte aberto, o descanso merecido à beira do Índico.
Por: Mozinfoeric
“Ponta-Gea!”, lancei eu, triunfante, a imagem mental colada às revistas de turismo: palmeiras, esplanadas, ondas gentis. Mas a democracia do cansaço tem vozes inesperadas. Um colega, cuja memória da Beira era tão nebulosa quanto a minha, ergueu a bandeira da Praia Nova. “Lá é bom! Dá para ir a pé daqui. Sítios para sentar, cerveja fresca…”. A voz da suposta experiência ecoou mais forte. Minha Ponta-Gea, mera fantasia de papel couché, rendeu-se ao relato concreto (ainda que duvidoso) dos degraus de esplanada e das garrafas geladas. Seguimos, o entusiasmo reavivado pelo íman azul do oceano.
O primeiro encontro foi um murro nos sentidos. Antes da areia, um cinturão de mangal, denso, sufocante. E o cheiro. Um cheiro que não se anunciava, mas agredia. Pútrido, nauseabundo, uma mistura densa de ovos podres e decomposição que se agarrava à garganta. Troquei olhas de alarme com os outros. O colega, nosso improvável guia, fez um gesto vago e otimista: “É só atravessar isto! O melhor vem depois, prometo! É o deserto antes do oásis!”. A metáfora, naquele contexto, soou grotesca.
Entramos na areia. Ou melhor, num tapete obsceno. Não era a douradura prometida, mas uma colcha de retalhos multicoloridos e viscosos. Branco, castanho, negro, verde… Fezes. Humanas, caninas, uma competição mórbida entre as velhas, ressequidas, e as novas, ainda brilhantes de umidade repugnante. O cheiro, agora, era um ser vivo, um fantasma pegajoso que nos envolvia, penetrava as roupas, os poros. Saltávamos como gafanhotos encurralados, evitando as poças pestilentas, cada salto um mergulho mais fundo naquele estuário de desilusão.
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